DO OUTRO LADO DA JANELA
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| (Fabiana Fontes) |
Quinta-feira, 24 de novembro
8:50h da manhã
A aula de biologia acabou de começar e sinceramente não estou afim de prestar atenção, então disfarçadamente peguei minha agenda (ou diário, não sei como definir), e comecei a escrever nesse exato momento algumas palavras para me livrar do tédio.
O professor está falando sobre o Ciclo de Krebs, enquanto meu pensamento está no ciclo da minha paixonite pelo Pedro. Já faz algum tempo que meu olhar para no dele, e ele retribuí, com aquele sorriso que faz com que eu perca o ar. Toda vez que eu falo isso para Andréia ela dá risada, por falar nela, seus olhos não desviam do quadro. Queria ter esse ânimo todo mas tem dia que não dá, sério!
O Pedro é o garoto mais lindo que já vi, um pouco mais alto do que eu, jovem, sorridente e com um ar meio alternativo de skatista. A Andréia fala que eu não posso ficar esperando um milagre, preciso ser mais proativa. Só que tem um problema....
Eu nunca beijei, quando terminei de escrever, levantei até a cabeça para ver se ninguém estava observando o que eu estou escrevendo. Mas sempre fico um pouco nervosa com esses assuntos, acho que o meu problema é beijar em público.
A Patrícia da outra sala, não liga. Ela beija no corredor, na porta do banheiro, na calçada, em qualquer lugar. Mas eu não sou assim, acho que tem que ter o momento, o local certo. Outra coisa, esse negócio de beijar vários caras em uma semana não é para mim. Acho que para beijar alguém eu tenho que pelo menos conhecê-lo, isso também faz a Andréia rir.
Não que ela seja, uma garota tão desinibida, mas as vezes ela gosta de falar que eu sou muito bobinha. Eu não acho, na verdade sou bem esperta, diferente de muitas garotas que beijam e depois viram piadinhas na rodinha dos meninos. Eu quero um amor.
Meu Deus...
O professor de Biologia acabou de chamar meu nome e perguntar:
“Cecília, já que você está anotando tudo, conte-nos como ocorre o processo de glicólise”
Essa parte ele tinha explicado semana passada, então eu tirei de letra. Ele apenas agradeceu, no início parecia que ele queria me colocar em uma encurralada, mas na verdade acho que ele realmente achava que eu estava anotando.
Agora acho melhor realmente prestar atenção, antes que ele pergunte sobre esse ciclo confuso que até agora eu não entendi nada, só não é mais complexo do que os meus sentimentos pelo Pedro.
10:30h da manhã
A aula de História está quase começando e eu tenho um teste para fazer sobre o renascimento, mas enquanto não começa preciso desabafar o que aconteceu. Nossa, “desabafar”, soa tão pesado... Mas enfim...
Depois da aula de biologia que eu não aguentava mais, eu abri a janela da sala para tomar um ar fresco, e do outro lado estava ele todo sorridente, com carinha de cachorro perdido. Já tínhamos conversado algumas vezes, mas nada demais. Assim que abri ele falou com aquela voz dele nem grossa, nem fraca, com um tom único que só ele tinha: “Bom dia, meu anjo!” Meu rosto ficou vermelho, roxo, azul, e todas outras cores que existem. Apenas disse: “Bom Dia”, enquanto fui em direção ao banheiro com as pernas bambas e o coração acelerado.
19:00h da noite
Ele acabou de mandar “Oi, anjo!”, no whatsapp, minha mão tremeu e eu perdi o jeito. Parei de resolver as funções quadráticas e fui pedir ajuda para Andréia, pois eu não sabia o que falar com ele e nem se devia falar. Ela aconselhou que eu fosse natural e espontânea. Conversamos por uns 10 minutos, sobre assuntos aleatórios, como o lanhe do barzinho em frente ao colégio.
Sexta-feira, 25 de novembro
7;25h da manhã
A aula era de educação física, mas a professora faltou então estou aproveitando para escrever um pouco. Hoje vai ser a festa da Patrícia, e eu não estou afim de ir. Sério, ela convidou só para se mostrar. Não aguento essa menina. O problema é que a Andréia está insistindo para eu ir, pois o menino que ela gosta vai estar lá.
Aí meu Deus!
O Pedro acabou de mandar uma mensagem perguntando se eu vou.
Acho que talvez ir com a Andréia não seja uma ideia tão ruim assim...
18:00h da tarde ou da noite?
Estou pronta, e ansiosa para ir. O pai da Andréia ficou de nos levar, e depois meu pai me busca e dá uma carona para ela. Não estou animada para ver a Patrícia e aquele jeito antipático dela de menina mimada, mas sinceramente pelo Pedro vale a pena. Mesmo se ele não fosse acho que a Andréia ia acabar me convencendo. Não sabia o que comprar, então acabei optando por chocolate, porque todo mundo gosta. Se ela não gostar, que se exploda. Tenho que parar com essa raiva toda, mas essa menina não é das melhores.
00:35h da madrugada
Acabei de chegar, mas ainda não fui deitar, afinal, é emoção demais para uma noite. Assim que cheguei na festa a aniversariante me cumprimentou com dois beijinhos, rindo sem motivo algum. Depois eu e a Andréia ficamos conversando, até que ela encontrasse o tal Felipe e eu encontrasse o Pedro.
O Pedro pegou uma bebida para ele, e ficou conversando sobre assuntos diversos comigo. Até que ele tentou me envolver em um beijo que eu desvinculei automaticamente, sem motivo nenhum. A não ser o fato de não querer beijar em público. O garoto chegou até a falar: “Você é difícil mesmo, heim? Só um minuto vou rapidinho ali no César!”
De repente, todo mundo começou a me olhar com um ar de deboche. Olhei meu vestido, mas não tinha nada, estava perfeitamente intacto. Então a Andréia chegou e me puxou para um canto, tirando o celular do bolso e mostrando uma foto: “Eu nunca beijei”, escrito em destaque com o fundo de uma imagem da folha da minha agenda que eu tinha escrito ontem na aula de biologia. Meus olhos se encheram de lágrimas e eu saí em direção ao quintal da enorme casa da Patrícia. Então percebi que na lateral tinha um quartinho onde provavelmente a família guardava as bagunças, entrei lá e fechei a porta. A Andréia entrou e falou que era para eu ficar calma, mas a humilhação era tanta que até respirar estava complicado. A Andréia comentou que provavelmente a Patrícia tinha ficado com inveja que o Pedro estava me dando bola e arrumou um jeito de pedir alguém para tirar uma foto da agenda para arrumar um jeito de me sabotar pelas costas.
Não sei quem fez tal maldade, mas só sei que na hora tudo o que eu queria fazer era poder sumir do mundo. Então pedi para que fossemos embora, ela falou que só iria se despedir do Felipe enquanto eu ligava para o meu pai. Assim que ela me deixou sozinha abri a janela porque o ar não estava circulando e no meio daquela euforia lá estava o Pedro me procurando. Assim que ele me viu, veio ao meu encontro.
Segurou meu roso com firmeza do lado de fora e beijou meus lábios da forma mais profunda que alguém poderia beijar, e assim como tinha sonhado, aquele era o nosso momento.
Sábado, 26 de novembro
7:00h da manhã
Assim que abri a janela do meu quarto que dava para a rua, lá estava ele jogando umas pedrinhas como se eu fosse uma princesa. Sorri pensando como ele era bobo, e nisso deixei que ele pulasse o muro e roubasse um beijo meu do outro lado da janela, selando nosso ciclo que sem dúvidas seria bem mais envolvente do que aquele da aula de biologia. Mesmo começando agora, já estou ansiosa para as futuras janelas que vou abrir, e torcendo para que ele sempre continue fazendo parte da paisagem, deixando minha vida ainda mais colorida...
Gabriel Bhering


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